XAPURI DE LUTO:Morre Tia Vicência, um dos símbolos da colonização nordestina na Amazônia
era
proprietária do mais Tradicional restaurante de Xapuri, um dos últimos
lugares onde ainda se pode apreciar a verdadeira comida caseira em
escala comercial.
Faleceu
na manhã desta quinta-feira (21), em Rio Branco, a cearense Vicência
Bezerra da Costa, 84 anos, uma das pioneiras da colonização nordestina
no Acre. Tia Vicência, como era conhecida por todos, não resistiu aos
efeitos de um acidente vascular cerebral (AVC) sofrido na madrugada do
último domingo (17). Transferida para Rio Branco, onde foi submetida a
uma cirurgia de emergência, foi a óbito nas primeiras horas de hoje.
Tia
Vicência era proprietária do mais famoso restaurante de Xapuri, um dos
últimos lugares onde ainda se pode apreciar a verdadeira comida caseira
com “gosto de seringal”, como ela mesma costumava dizer. Profundamente
identificada com a história da cidade, se tornou conhecida e querida a
partir da maneira simples como desenvolvia o seu ofício e de como
divulgava e valorizava as histórias, dramas e tragédias de gente como
ela, refugiadas da seca.
Devota
fervorosa de São Sebastião, padroeiro de Xapuri, dona Vicência contava
que a sua fé foi trazida do Ceará, sua terra natal, e que já na viagem
que teria como destino final o Acre, sua família foi abençoada pelas
graças do santo protetor dos xapurienses. “O navio em que eu viajava com
meus pais rumo ao Pará esteve na mira de um submarino alemão. Foram
momentos de pânico, mas graças a São Sebastião nada aconteceu e
escapamos todos”.
Mãe
de Francisco, Getúlio, Maria de Lurdes e Maria das Graças, além de
cerca de 40 netos e bisnetos, Vicência se dizia seringueira na alma e no
coração. Chegou a compor um hino aos soldados da borracha, que gostava
de cantar às pessoas que visitam seu restaurante, como forma de
enfatizar que o trabalho dos nordestinos que para cá vieram mandados
pelo governo para cortar seringa durante o grande conflito armado era
realmente um esforço de guerra.
Vicência
chegou ao Acre aos 14 anos de idade em meio à campanha de guerra e
ocupação da Amazônia empreendida na década de 1940 pelo Governo
Brasileiro. Como a grande parte dos nordestinos arregimentados pelo
Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia
(Semta), ela viu as famílias viajarem amontoadas a bordo dos navios do
Loyd, sempre, de acordo com ela, acompanhados por caça-minas e aviões de
guerra.
De
acordo com o historiador Marcus Vinicius, da Fundação Garibaldi Brasil,
cerca 60 mil pessoas foram enviadas para os seringais amazônicos entre
1942 e 1945. Desse total, quase a metade morreu por causa das precárias
condições de transporte, alojamento e alimentação durante a viagem, além
de fatores ligados ao ambiente extremamente hostil da Amazônia.
Os
nordestinos recrutados para trabalhar nos seringais foram chamados de
"soldados da borracha", porém nunca receberam qualquer remuneração ou
homenagem pelo esforço de guerra. A saga de Vicenza e os soldados da
borracha está retratada no filme "Mais borracha para a vitória". Nele,
Vicência conta histórias e canta as músicas que serviam de conforto numa
época de dor e sofrimento.
Vicência
e os pais moraram durante 34 anos no Seringal São Francisco do Iracema,
numa colocação ao centro do barracão dirigido primeiramente por Said
Rachid e seu genro, Milton. Vieram outros patrões depois, até que em
1979 a figura do seringalista deixou de existir e deu lugar aos
fazendeiros "paulistas". Nesse período, ouviu falar de Chico Mendes, mas
nunca chegou a encontrar-se com o líder ambientalista.
O
corpo de dona Vicência chegará a Xapuri no começo da tarde desta
quinta-feira, de acordo com previsão da família. O velório acontecerá em
sua antiga residência, localizada na Rua Major Salinas, no centro de
Xapuri. A decisão da família de não velar a pioneira nordestina em local
público (o velório deveria acontecer no prédio do Museu Casa Branca)
obedece a um último pedido de Tia Vicência: queria ser velada na sua
antiga casa em Xapuri.
Com
informações de Edmilson Ferreira em reportagens anteriores pela Agência
de Notícias do Acre. As imagens são do fotógrafo Sérgio Vale.
Comentário
do jornalista Beneilton Damasceno, que uma vez ou outra corria a Xapuri
para saborear a deliciosa comida caseira de Tia Vicência:
Foto: Sérgio Vale
“Tia Vicência, outra heroína de Xapuri que vai embora...
Acabo
de tomar conhecimento da morte da Tia Vicência, matriarca de Xapuri,
uma das mais amáveis e sensíveis almas que conheci e tida popularmente
como "mão de fada", pelos pratos que preparava com incomparável
requinte.
Tratava
todos com a mesma candura de mãezona. tive o prazer de lhe conhecer ela não me conhecia pelo nome -
sequer sabia quem eu era, de onde saí ,
mas me me tratou tão bem quando estive em seu restaurante como se eu fosse tão conhecido quanto o
ex-presidente Lula, que por vezes degustou sua culinária sem igual.
Há
alguns anos deixara de cozinhar - apenas transmitia sua experiência às
empregadas mais novas, e recepcionava os comensais com alegria, a
despeito da lentidão do andar e do corpo tênue e curvado”.
fonte:http://www.acpurus.com/index.php?option=com_content&view=article&id=352:morre-tia-vicencia-um-dos-simbolos-da-colonizacao-nordestina-na-amazonia&catid=61:esporte
Escrito por Raimari Cardoso
Qui, 21 de Março de 2013 17:21
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